Skip to content

PERISCÓPIO 162: Governança e sustentabilidade; o caso portuário


Frederico Bussinger

O “Seminário Internacional Governança e Sustentabilidade”, em sua 17ª edição, ocorre de 26-28/OUT/2022 na Universidade do Vale do Itajaí – Univali (Itajaí-SC). Seu objetivo é ambicioso: “Promover reflexão sobre a relação de interdependência entre governança e sustentabilidade que se estabelece no contexto Porto-Cidade, e seus impactos jurídicos, políticos, institucionais, sociais e antropológicos”. Para além do plano conceitual, ao longo dos três dias de evento estão previstas sessões que visam examinar os temas mais concretamente; no caso balizados pelas transformações da era digital, e das redefinições regulatórias e processos de desestatização em curso no Brasil.

Desconexo à primeira vista, e muitas vezes tratados de per si, esse multifacetado universo de temas tem vários laços de interdependência, razão pela qual a reflexão proposta pelo Seminário é mais que oportuna; ainda que os processos de desestatização de São Sebastião, Santos e do próprio Porto de Itajaí estejam em estado avançado: nunca é tarde!

Subsídios às reflexões:

A desestatização, e sua modelagem, têm enfatizado a dimensão econômica da questão: o foco é, assim, o ativo. E a métrica a análise econômico-financeira (e seus indicadores). Mas, como destaca a apresentação do evento, a par do econômico também o social e ambiental, e suas interfaces e desdobramentos, são igualmente relevantes.

Aliás, essas três dimensões estão umbilicalmente articuladas no conceito de sustentabilidade: i) ao menos desde o relatório da “Comissão Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente” da ONU (Relatório Brundtland – 1987); e ii) no arcabouço jurídico e normativo brasileiro, base para os respectivos licenciamentos ambientais. Nesses, nem sempre muito enfatizados e considerados nas tomadas de decisão, vigem os conceitos de “balanço” (entre as três variáveis – daí as medidas mitigadoras e compensatórias) e a necessidade do cotejamento de fazer X não-fazer; do implantar-se ou não se implantar.

A desestatização, vale também ser lembrado, diz respeito especificamente às áreas do porto organizado (Poligonal). Tanto no caso de Santos, como principalmente de Itajaí, os complexos portuários, além de dependerem/usarem a mesma infraestrutura aquaviária e muito da terrestre, abrangem áreas muito mais amplas: em Santos, quase o dobro (envolvendo dos atuais limites até o “Fundão do Estuário”, em Cubatão); e em Itajaí, as instalações em Navegantes e aquelas à montante ao longo do Rio Itajaí Açu, até mais ou menos a BR-101.

Dito de outra forma: se a sustentabilidade do porto organizado e respectivo complexo portuário é algo natural e praticamente indissociável, o mesmo não pode ser dito das governanças e das relações Porto-Cidade(s) como decorrência do modelo brasileiro: no caso dos complexos portuários, aliás, ambas são bem distintas. Não seria melhor que não fosse?

Governança:

Especificamente no tocante à governança, observa-se aparentemente a existência de uma zona cinzenta, algo como um sincretismo nos complexos portuários; e uma bipartição de funções no caso dos portos organizados. Neste caso, uma administração portuária descentralizada (que a desestatização consagraria), e a função de autoridade portuária centralizada. OBS: essa bipartição (autoridade e administração) é algo muito próprio do Brasil. Se existem, são raros no mundo exemplos de autoridades que também não são administrações portuárias!

E mais; essa centralização envolve incidental e justamente definições de questões estratégicas. P.ex: quem, hoje aprova Plano Mestre e PDZ de cada porto? Quem qualifica projetos para desestatização? Aprova EVTEAs? Elabora editais, celebra contratos (outorgas) e decide prorrogações (incluindo as antecipadas)? Aprova transferência de controle acionário? Revisa e reajusta tarifas? Fiscaliza as administrações portuárias? Aplica penalidades por infrações? Todas essas atribuições passaram gradativamente a ser concentradas em Brasília; particularmente a partir da Lei nº 12.815/13: no Minfra, Antaq e PPI (e, claro, a possibilidade de TCU e MPF a qualquer momento!).

Não seria exagero ver-se esse conjunto de órgãos, articulados, como uma “Autoridade Portuária Nacional”, à qual todos os portos organizados brasileiros estão hoje subordinados. E, com a desestatização, esse aspecto da governança se cristalizaria; agora também via contratos de concessão.

A propósito do tema, a “European Sea Ports OrganisationESPO realiza periódicas pesquisas junto a mais de duas centenas de portos europeus sobre “Governança Portuária”. Nelas esses temas e interconexões emergem. Na última, p.ex, e talvez como um contraponto à tendência brasileira, destaquem-se dois dos cinco “achados”: “as autoridades portuárias estão gradualmente se distanciando da operação (de cargas) e se aproximando das suas comunidades” e “é significativo que a maioria das autoridades portuárias, independentemente da sua propriedade ou nível de controle, têm intensa interação com os governo locais”. O Banco Mundial também publica e atualiza um “Manual de Reformas Portuárias”, que dedica capítulos a esses temas. Ambos os documentos são disponíveis na web.

Ou seja, não apenas há uma forte interdependência entre os diversos elementos enunciados, como a sustentabilidade e a relação Porto-Cidade, focos do Seminário da Univali, são fortemente influenciados pelo modelo de governança adotado; seja para os portos organizados, seja para os complexos portuários. E, também, a governança recebe tal influência do processo decisório vigente.

Esse debate promete!

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Veja mais: