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PERISCÓPIO 124: Burocracia e governança: peculiaridades e desafios


Frederico Bussinger

Puxe pela memória: quantas vezes você se lembra de ter ouvido/visto alguém defender burocracia no último ano? Ajudando: vale em tese ou para algum caso concreto; tanto em relação à administração pública, como à iniciativa privada ou ao 3º setor. Em tempos do politicamente correto, e das redes sociais, não deve ter sido em muitas oportunidades; imagina-se.

Já defesas de impessoalidade (não privilégios) na administração pública, transparência (dos atos), ética, prestação de contas … deve ter ouvido várias vezes. Ou, mesmo, você já a fez. Acertei? Se sim, não tome como menosprezo ou acusação: você é, no mínimo, simpatizante da burocracia!

Por quê? Não se surpreenda: ela não nasceu com o objetivo de “criar-dificuldades-para-vender-facilidades”. Ao contrário, como ensina Max Weber, seu principal formulador, a burocracia foi concebida para substituir práticas centenárias em organizações e governos: no lugar de genealogias e relações pessoais, mérito; normas em substituição a decisões pontuais; além de atribuições específicas, esferas de competência delimitadas, critérios para seleção de funcionários; entre outras “inovações”.

Curioso é que tais objetivos e instrumentos da burocracia também integram o DNA da governança corporativa, um dos subprodutos de Bretton Woods, impulsionada pelos fundos (pensão e investimentos) e consolidada pós-escândalos das megacorporações nos anos 90.

Hoje, verbete em moda, governança está detalhada em bem elaborados manuais de órgãos reguladores (p.ex: CVM, BCB), de instituições multilaterais (Banco Mundial, FMI, OCDE, IFC) e de grandes empresas. Só que, parodiando Rita Lee (Amor e Sexo), governança é prestigiada, já burocracia é execrada; aquela é confiável, esta suspeita; uma é solução, outra problema; governança é do bem, burocracia é do mal. Por que tais diferenças?

Arrisquemos duas hipóteses: i) uma coisa é o que se formula, outra é o que se pratica; e ii) burocracia é algo tido como do setor público, já governança do privado; razão pela qual cada uma está sujeita (e não teria como não estar) aos respectivos arcabouços jurídicos que, sabe-se, têm bases distintas: “só fazer o permitido” (direito público) e “não fazer o proibido” (direito privado). Como governança não está restrita aos balizamentos instrumentais do art. 37 da Constituição Federal (como a burocracia está), ela teve como incorporar algumas dimensões finalísticas não explicitadas no dispositivo constitucional; como desempenho e resultados.

Na prática, porém, o que se observa nos últimos tempos são movimentos aparentes em sentidos opostos: governos na tentativa de caminharem em direção à governança (vide Decreto nº 9.230/17), enquanto processos decisórios de grandes empresas e corporações vão se tornando cada vez mais “travados”. Para tanto, a Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”) e a introdução de “compliance” (com seus “esquadrões SWAT” e questionários, por vezes, com perguntas entre o óbvio e o irrespondível!) deram grande contribuição. Agilidade, flexibilidade e autonomia já não são como há alguns anos: compatibilizar objetivos tão distintos é tarefa desafiadora!

O desafio das concessões, arrendamentos e PPPs de infraestruturas e serviços públicos é algo mais complexo: aí coexistem (e coexistirá sempre!) o ator público e o privado; as normas e idiossincrasias de um e de outro. Ademais, ante o fortalecimento dos papéis da mídia e marketing, dos licenciamentos, regulações e controles, e a ampliação do universo de “stakeholders” no processo decisório, é um desafio ainda maior.

 

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